Vitis vinifera: conheça a espécie de uva que dá origem aos melhores vinhos do mundo

Você prefere Cabernet Sauvignon, Pinot Noir ou Malbec? Ou sua preferência fica por uvas brancas, como Riesling, Chardonnay ou Sauvignon Blanc? Independentemente de sua escolha, uma coisa é certa: você prefere a Vitis vinifera, até porque todas as uvas citadas acima (e muitas mais) são apenas variedades dela.

No mundo foram mapeadas até agora cerca de 60 espécies de Vitis, estas trepadeiras que têm uvas como suas frutas. Deste grupo, cerca de 28 delas são espécies de Vitis selvagens nativas da América do Norte, com algo em torno de 30 delas sendo nativas do leste da Ásia. Mas apenas uma delas é nativa da Europa e do Oriente Próximo: a Vitis vinifera, que deu origem às mais de 10.000 variedades que são usadas na elaboração dos melhores vinhos do mundo.

Domesticando uma espécie selvagem

A Vitis vinifera é atualmente a mais cultivada e economicamente mais importante cultura de frutas do mundo. E ela é resultado da ação do homem, pois acredita-se que as videiras cultivadas, que são chamadas de Vitis vinifera spp. sativa (sub-espécie sativa) tenham sido domesticadas a partir de populações selvagens, chamadas de Vitis vinifera spp. sylvestris.

Estas videiras selvagens, porém, não foram extintas. Elas existem até hoje, geralmente em pequenas populações isoladas ao longo das florestas e beiras de rio, em uma vasta área que vai desde a costa atlântica da Europa até o Tajiquistão e ao oeste do Himalaia. Mas o que faz a diferença entre a sub-espécie selvagem e a domesticada?

Plantas hermafroditas

A principal característica utilizada para distinguir entre Vitis vinifera selvagem e cultivada é o sistema reprodutivo. A imensa maioria das uvas selvagens é dióica (há plantas de sexo feminino e outras do sexo masculino), enquanto a videira cultivada é hermafrodita. Acredita-se que esta seleção ou mesmo possível modificação genética tenha sido causada pelo processo de domesticação.

Isso faz sentido. Em plantas dióicas, há necessidade de indivíduos dos dois sexos para a reprodução. Já nas plantas hermafroditas, o processo é mais simples, de forma que todas elas se reproduzem e dão frutos. É natural que os primeiros humanos que começaram a domesticar as videiras selvagens (possivelmente usando o método de estacas) mostrassem preferência pelas plantas com maior garantia de geração de frutos.

Origem no Cáucaso?

Por muito tempo se acreditou que a Vitis vinifera e todas as suas variedades tivessem uma origem comum: as regiões próximas ao Cáucaso.  Evidências arqueológicas mostram que foi nesta região que a sub-espécie selvagem foi domesticada e passou a ser usada para a elaboração de vinhos, entre 8.000 a 10.000 anos atrás.

A partir desta região, o cultivo de uva teria sido levado para o Vale do rio Jordão (cerca de 4.000 a.C.) e Egito (c. 3.000 a.C.), ambos do lado ocidental do Crescente Fértil, e também para as montanhas Zagros, que fazem fronteira com a Mesopotâmia pelo leste, em torno de 3.000 a.C. Já a expansão da cultura vinícola para a Europa passaria por Creta (c. 2.200 a.C), para chegar às penínsulas Italiana e Ibérica, em aproximadamente 800 a.C.

Mais de uma origem

Porém, embora exista a possibilidade que técnicas de elaboração de vinhos tenham seguido esta rota, evidências arqueológicas mostram que as uvas cultivadas atualmente teriam mais que uma procedência. Além das uvas originárias da região do Cáucaso, a Vitis vinifera spp. sativa (a uva cultivada) teria uma ou mais origens também na Europa.

Um marco importante foi a divulgação de um estudo que mostrou que videiras já era exploradas por populações da Península Ibérica na era neolítica (10.000 a.C. e 4.000 a.C.). Isso foi antes do contato com as culturas orientais, o que implica que a videira poderia ter sido domesticada independentemente na Europa Oriental e Ocidental. Outro estudo segue a mesma linha, trazendo evidências de que já havia seleção de uvas para elaboração de vinhos no sul da ilha italiana da Sardenha entre 1.600 e 1.200 a.C.

Milhares de variedades

Esta possibilidade de que existam diversas origens distintas para a Vitis vinifera domesticada talvez ajude a entender o verdadeiro quebra-cabeças que é a análise da relação entre as diversas variedades. Mas avanços importantes já foram divulgados, pois, através da análise de DNA, já foram mapeados alguns grupos de uvas que dividem uma relação genética.

Por exemplo, sabe-se que existe uma “família”, que inclui uvas como Cabernet Franc, Sauvignon Blanc, Cabernet Sauvignon, Merlot, Malbec, Carmenére. Outra destas “famílias” incluiria a Pinot Noir e a Gouais Blanc, que teriam dado origem a variedades como Chardonnay, Gamay, Aligoté e Mellon de Bourgogne.

Porém, ainda existe muito a descobrir. Estudos recentes mostraram alguns padrões comuns entre a Chardonnay e algumas variedades autóctones da atual área do Líbano, o que levou a especulações que a Gouais Blanc poderia ter uma origem não europeia, já que a Pinot Noir quase certamente é realmente originária da França. Estas “relações familiares” devem ficar mais claras nos próximos anos, mas enquanto isso a recomendação é clara. Siga apreciando os vinhos elaborados a partir da Vitis vinifera, a probabilidade de você beber um bom vinho é muito maior do que no caso das outras Vitis disponíveis.

Fontes: Multiple origins of cultivated grapevine (Vitis vinifera L. ssp. sativa) based on chloroplast DNA polymorphisms, Arroyo Garcia et al; The wild grape genome sequence provides insights into the transition from dioecy to hermaphroditism during grape domestication, Badouin et al; Earliest evidence of a primitive cultivar of Vitis vinifera L. during the Bronze Age in Sardinia (Italy), Ucchesu et al; Whole-genome resequencing of 472 Vitis accessions for grapevine diversity and demographic history analyses, Liang et al

Imagem: jplenio via Pixabay

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